As mulheres mais velhas
Nas conversas com as mulheres mais velhas, frequentadoras dos bailes, o tema do corpo sempre emergia ligado duas dimensões. Primeiro, remetido ao passado: o corpo que se tinha e que não se tem mais, as mudanças físicas que marcam a passagem da juventude à velhice. Essa comparação vinha, entretanto, acompanhada pela preocupação, ainda presente nessa fase da vida, em cuidar da própria aparência, uma exaltação à capacidade de manter-se bela mesmo tendo perdido a juventude.

Nesse equilíbrio entre perdas e ganhos, a prática da dança de salão coloca-se como um ponto de inflexão. Ao menos mesmo tempo que ela mostra quanto o tempo passou - sendo mais velhas, é preciso pagar para dançar -, através da dança é possível exibir o corpo ainda ativo. O esforço que se emprega individualmente para produção do próprio corpo para dança é apontado como positivo na vida dessas mulheres.

A dança possibilita a exibição em público desse corpo construído. Considerando que a presença da dama é a mais valorizada e notada, capaz de agregar valor ao desempenho do cavaleiro, como prega a lógica da dança de salão, compreende-se porque esse espaço da dança é tão fortemente marcado pela vaidade e pela disputa feminina. A construção desse corpo passa pela escolha da roupa, dos penteados e da maquiagem e conclui-se na pista de dança, na performance sob os olhares atentos dos frequentadores dos bailes.

Esse chamar atenção para si mesma tem uma finalidade. Para elas, a exibição é uma forma de conferir-lhes visibilidade. Além dos ganhos sexuais, o que está em jogo é a permanência de sua existência e visibilidade social enquanto mulheres. Trata-se da afirmação de uma condição feminina diferente daquela que permitida em outras situações, como a posição dentro da família, por exemplo.” (Alves, 2004, p.103-104)
“A maior parte do público feminino da dança de salão carioca hoje está na faixa dos 60 aos 70 anos e pertence às camadas médias urbanas. Essas mulheres nascido na década de 1930, casaram e tiveram filhos por volta dos anos 1950 e 60. Algumas passaram pela experiência do divórcio entre 1970 e 80, a maior parte é de viúvas. Grande parte das mulheres vive só. Antes de se casar ou após o divórcio, essas mulheres entraram para o mercado de trabalho em profissões como secretária e professora, no funcionalismo público ou no comércio. Poucas são as que permaneceram no mercado ininterruptamente. Casamento e filhos são os motivos principais alegados para sair do trabalho.

As mulheres que estão nessa faixa etária hoje assistiram mudanças fundamentais na sociedade brasileira: a aceleração da urbanização e as conquistas femininas são as que mais de perto tocam o cotidiano dessas mulheres. A valorização do trabalho da mulher fora do lar e a revolução sexual são aspectos de um processo de mudanças que atinge essa geração de mulheres. Os efeitos dessas mudanças, se não foram sentidos diretamente em sua juventude, estão agora gerando consequências na velhice. Todas denunciam atraso de sua geração: a educação excessivamente rígida que receberam dos pais, o desconhecimento sobre o sexo, a imposição do casamento e a limitação das opções educacionais são vistos como pontos negativos da vida que tiveram. A manutenção de uma vida ativa na velhice significa poder viver o que lhes foi negado no passado.

Essa vivência adquire várias formas, a dança de salão é uma delas. O que a dança expressa é uma possibilidade de exercício da sedução pelas mulheres mais velhas. Elas seduzem à medida que são capazes de transformar aparência do próprio corpo para si e para os outros e, torná-lo um instrumento para exibição de sua capacidade individual de dominar os efeitos da idade. Esse controle não visa copiar os modelos da juventude, mas recriar no corpo velho um conjunto que possa ser admirado. Elas vão para os bailes trajados como damas: saias rodadas, salto alto, blusas de tecido fino, adereços variados, cabelos pintados e escovados, maquiagem, muita maquiagem.” (Alves, 2004, p.109-110)

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