O cavalheirismo por contrato
“Se pensarmos nos bailes-ficha e nos contratos temos um elemento interessante para avaliar: as mulheres passam a ter primazia de ação, já que são elas que pagam para dança ocorrer, portanto, sem o dinheiro delas não tem dança, não tem baile-ficha nem contrato. Por outro lado, no momento do baile, as mulheres querem que os homens pagos ajam como cavalheiros, como se não houvesse nenhum interesse externo a dança entre eles. O único “interesse externo” legítimo é o encontro sexual que, de fato, nada tem de externo, está incluso na dança a dois. Os homens são pagos para seguir o modelo hierárquico tradicional: o cavalheiro que seduz a dama. Um exemplo claro disso está no ato de entrega das fichas ou no pagamento do contrato. A entrega da ficha é feita de maneira rápida e encoberta e o pagamento do contrato deve ser feito ao final do baile, quando a performance do ritual já terminou. O ritual do baile ficha e do contrato não contradiz o ritual padrão dos bailes. Mas, porque então são apontados como inovações? Por que geram polêmica no meio da dança?

Porque os bailes-ficha e o contrato impõe a presença das mulheres mais velhas nos salões de baile, como “damas”. Essas mulheres preteridas na dança de salão estão se colocando como protagonistas da ação. É a partir delas que uma outra percepção sobre as mulheres está emergindo. As mulheres mais velhas estão exercendo o poder de burlar a hierarquia e permanecer no salão. Elas escolhem seus pares, os bailes que querem ir, as músicas que dançam. Através de suas ações estão criando ou recriando outro sistema de baile, o baile-ficha e outro tipo de homem: o “cavalheiro de aluguel”. Nada disso deve aparecer como escolha delas, sob pena de desmanchar toda a fantasia e destruir o que é essencial para todos, homens e mulheres, o sentido lúdico e o cavalheirismo no baile. É com esse delicado equilíbrio, entre manter a ilusão do baile e garantir um espaço para si, que as mulheres mais velhas e os homens que dançam com elas devem lidar.” (Alves, 2004, p.57)

O padrão do cavalheirismo da dança de salão coloca no homem a obrigação da escolha de uma parceira e na mulher o dever de tornar-se atraente o suficiente para ser convidada. O baile-ficha e o contrato possibilitam que mulheres, antes excluídas dessa escolha, apresentem-se no salão como se estivessem sendo escolhidas.

Embora essa escolha seja mediada por pagamento em dinheiro, as mulheres querem que os homens pagos ajam como cavalheiros, como se não houvesse nenhum interesse externo a dança entre eles. Para manter o contrato funcionando, é essencial que homens e mulheres, contratantes e contratados joguem o jogo do faz-de-conta.
“A medida que as mulheres passam a escolher seus parceiros e a pagar por este serviço, uma subversão da lógica do controle masculino aparece em dois níveis: primeiro, elas passam a escolher com quem vão dançar e o que vão dançar - se um determinado ritmo não lhes interessa, elas simplesmente negam a dança e seu par tem que esperar o momento em que elas queiram voltar a dançar. Segundo, ao terem um par ao seu lado essas mulheres conquistam um lugar no baile. A posição que a mulher mais velha tem nos salões é inferior. Ela é a última escolhida do cavalheiro, ou melhor, não é uma escolha, não é uma parceira digna. Seu destino é “passar o baile sentada”, “tomar chá de cadeira”. assim o pagamento de um par para dançar é uma imposição de sua presença no salão.”(Alves, 2004, p.61)
A partir das mulheres mais velhas e das suas relações com cavalheiros de aluguel observa-se as modificações possíveis dos papéis e das relações de gênero, mesmo que estas se dêem dentro de um parâmetro tradicional.
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